quarta-feira, 6 de abril de 2011

NOSSA PANELA ENTREVISTA - O CACHACISTA CLÁUDIO RANGEL

Escuta a música abaixo


- Escutou???
Pois é quem já não proferiu esta musica algum dia... Só que as coisas estão mudando e a cachaça deixou de ser a“Marvada” há algum tempo.

A maioria das pessoas, quando pensa em cachaça, pensa num destilado forte, que desce queimando, de gosto ruim e que só serve para caipirinhas. Não podemos culpá-las. Boa parte das cachaças populares fazem jus à fama.Mas isto está mudando e hoje há cachaças boas e acessíveis, cujas características são o contrário das supracitadas, dignas dos mais apurados paladares.

Familia Rangel
Hoje A NOSSA PANELA BRASIL entrevista um entendedor de cachaça, para desvendar mitos e dizer algumas verdades sobre esta bebida genuinamente brasileira.
Estou falando de Cláudio Rangel que é Patriarca de uma família de talentos gastronômicos e tem seu acervo no restaurante Gosto com Gosto em Visconde Mauá.

Cada vez mais esta familia vem escrevendo a história da Gastronomia Brasileira.


1 - Cláudio como eu posso chamar uma pessoa que aprecia, que trabalha e que produz cachaça?
Aprecia – degustador, cachaçologo e pingofilos
Trabalha – cachacier
Produz – produtor, alambiqueiro

Já há nomes bonitos para denominar os apreciadores e os profissionais da cachaça:
- Cachaçólogo: é o profissional de produção, antes chamado de alambiqueiro.
- Cachaçófilo: é o apreciador da cachaça, antes chamado de cachaceiro.
- Cachacista: é sommelier da cachaça - o profissional que serve e orienta o cliente, que tem muita gente chamando erroneamente de "cachacier", querendo transportar a linguagem do vinho para a cachaça.

2 - De onde e quando surgiu o seu interesse pela cachaça (no bom sentido!)?
Meu interesse pela cachaça surgiu em Visconde de Mauá há 18 anos quando abrimos o Gosto com Gosto. Por ser um restaurante mineiro, não conseguia ver na época, outra bebida que pudesse combinar com a comida mineira. Visitei diversos alambiques, participei de diversas degustações, conversei com produtores, inclusive com o Sr. Juventino Gomes de Miranda, da Piragibana de Salinas/MG, a meu ver a melhor cachaça feita em Minas.

3 - Qual é o percursso para quem quer começar a trabalhar com cachaça?
Procurar conhecer a cachaça, como ela é feita (do plantio da cana a destilação), armazenada. Tem que compreender bem a diferença entre a cachaça artesanal e a industrial.

4 - Existe algum curso ou escola, faculdade para aprender a profissão?
Hoje existe até uma faculdade em Salinas/MG. O SEBRAE é um grande incentivador e sempre promove cursos e palestras sobre o tema. Eles tem consultores específicos para este assunto. Normalmente eles tratam da produção, higiene as normas da ANVISA e tudo mais.

Cláudi no Paraíso
5 - Você é um apreciador da bebida? Como a prefere (branquinha ou envelhecida, pura ou em coquetéis, etc.)?
Sou um grande apreciador, divulgador e apaixonado por uma boa cachaça. Minha preferência é pela branquinha, só que é raro encontrar uma de boa qualidade, pois ela não mascara as imperfeições e erros cometidos durante a destilação como a envelhecida, que passa por tonel de madeira(carvalho, balsamo, umburana....). A madeira amacia, dá aromas peculiares, cor o que normalmente tira o gosto da cana. O processo de envelhecimento em madeira requer do produtor conhecimento, técnica e toneis de boa qualidade. A branca também pode ser envelhecida em toneis de inox ou na própria garrafa. Gosto também de uma autentica caipirinha feita com limão Taiti, açúcar e cachaça branca ou as mais ousadas como a de tamarillo.

6 - Além da teoria, você também é expert na prática (preparo de drinques, degustação, etc)?
Uma das coisas que mais gosto de fazer é uma caipirinha para os amigos e clientes.

7 - Na sua opinião onde estão os melhores produtores desta bebida?
Em Minas é claro, principalmente em Salinas. Paraty também deve ser lembrada.

Cláudio - bebo ou não bebo??
 eis a questão..
8 - Dá para conhecer uma cachaça boa só de olhar pra ela? E por quê?
Você consegue ver as impurezas só de olhar, assim como saber se ela tem ou não lagrima. Mas para saber se realmente ela é boa tem que se sentir o bouquet a oleosidade dela, mas nada supera degusta-la.

9 - Existe cachaça certa para fazer caipirinha?
Sim as brancas, sem passagem em madeira.


10 - Qual a cachaça mais cara e de que região ao qual já ouviu falar?
Havana é a cachaça mais cara do Brasil, pois eles perderam o nome para a Havanna Social Club e as que restaram não tem preço. A mesma cachaça é engarrafada com o nome de Anisio Santiago, só que com menor valor, mas caro mesmo assim.
Podem existir cachaças mais caras do que a Havana, mas não são comerciais, são promocionais.

Acervo do Cláudio
11 - Quantos rótulos de cachaça você possui?
No Gosto com Gosto são 640 rotulos.

O restaurante gosto com gosto
fica em Visconde de Mauá no Rio de Janeiro,
 mais informações acesse www.gostocomgosto.com.br

12 - Qual cachaça você daria de presente a uma pessoa e por quê?
A Gosto com Gosto, produzida pela Cambui e a que atestamos completamente a sua produção em higiene, qualidade, cuidados com a cana....

13 - Das cachaças comerciais qual você indica?
Comerciais não quer dizer industriais. As comerciais que indico são: Gosto com Gosto, Cambui, Salineira, Salinas, Maré Alta Reserva e a Piragibana.

14 - Cachaça harmoniza com comida e como tem de ser feita esta harmonização?
Acompanha perfeitamente, principalmente com carnes gordurosas como o torresmo, lingüiça, rabada.. já a caipirinha é a combinação perfeita da feijoada.

15 - Qual cachaça não sai da sua cabeça?
Foi uma cachaça que bebi em Paraty a 12 anos atrás, oferecida pelo meu amigo Cazé. Uma purinha, sem madeira, guardada em garrafas de vidro pelo seu pai. Essa cachaça, Sr. Zé do Hugo (pai do Cazé) ganhou e deu ao filho para guardar. Um belo dia a mãe do Cazé usou para fazer caipirinha para o pessoal que foi ensaiar fanfarra em sua casa, umas 30 pessoas. Me deu uma tristeza quando soube porque tive a certeza que os grandes apreciadores da branquinha ficariam sem uns 5l da melhor cachaça que já bebi.

Degustação no Gosto com Gosto
16 – Como funciona uma degustação de cachaça?
Anualmente promovemos aqui no Gosto com Gosto uma degustação de cachaça. Como a de vinho ela deve ser as cegas, julgando:

Visual – densidade, oleosidade, transparência e limpidez
Olfativa – bouquet (qualidade, intesidade)
Gustativa – Tempo que o sabor permanece na boca sem causar sensação desagradavel

17 – O que é mito o que é verdade quando se fala de cachaça?
Mito – quem bebe cachaça é cachaceiro. Cachaceiro é quem bebe qualquer coisa, até cair.
Mito – beber cachaça dá dor de cabeça. Quando se tira o rabo e a cabeça corretamente na dá dor de cabeça.

Caipirinha de Tamarillo do Cláudio
18 - Um drink especial feito com cachaça (receita)?
Caipirinha de Tamarillo
Ingredientes:
1 tamarillo
2 colheres de sobremesa de açúcar refinado (ou adoçante a gosto)
50ml de cachaça branca de boa qualidade
Gelo

Modo de Fazer:
Tirar a casca do tamarillo, cortar em cubos não desprezando os caroços. Colocar em copo com o açúcar. Masserar e colocar a cachaça mexendo em seguida. Adicionar o gelo até a borda do copo.

19 – O que diferencia a cachaça branca da amarela qual a melhor?
A branca não passa em madeira, no Maximo em toneis de amendoim ou aço inox. A amarela passa pelos toneis de carvalho, balsamo, jequitibá.... o que garante a cor amarela.

20 – Uma curiosidade que não se fala sobre a cachaça?
Cachaça é a bebida genuinamente brasileira, reconhecida por decreto pelo ex presidente Fernando Henrique Cardozo e que só o Brasil pode usar o nome cachaça.








Com todas essas informações que o Cláudio gentilmente nos ofereceu, lembrei de uma degustação de cachaça que participei em Belo Horizonte quando fui jurado do comida de boteco e vou dividir aqui com você.

A primeira regra refere-se ao Equilibrio, ou seja, Peso da Comida versus Corpo da Bebida: uma comida leve pede uma cachaça leve, com baixo teor alcoólico, e uma comida pesada exige uma cachaça encorpada, de elevado teor alcoólico. O serviço será sempre do prato mais leve para o pesado e da cachaça mais leve para a mais encorpada.

A segunda regra trata da Harmonia, ou seja, da afinidade das sensações: os níveis de sabor da comida harmonizam com a maciez e doçura da cachaça; comidas condimentadas requerem cachaças aromáticas; pratos gordurosos exigem cachaças mais ácidas; comidas suculentas pedem cachaças adstringentes, com perceptíveis notas de madeira; pratos untuosos requerem cachaças encorpadas.

A terceira regra refere-se ao Realce, ou seja, às sinergias das sensações que respeitam combinações conceituais, clássicas, naturais, regionais, sazonais e experimentais. Vale a pena salientar que as harmonizações clássicas regionais, frutos de anos de experimentações, são combinações consagradas que não podem ser desprezadas.

Aplicando-se as regras acima descritas, pode-se estabelecer, para o curso de uma refeição completa, a seguinte sequência orientativa:

Aperitivos:
Caldinhos, ostras ao limão, canapés de salmão e torresmo frito harmonizam com cachaça branca, leve, ligeiramente ácida e resfriada. Caipirinha ou batidas de frutas poderão ser servidas nessa fase da refeição.

Entradas:
Saladas, vinagrete de frutos do mar, consomes e sopas combinam com cachaças brancas, de médio corpo e com média acidez, levemente resfriadas.

Primeiro prato:
Peixe, camarão, lagostas, risotos, bacalhau e aves harmonizam com cachaças brancas mais encorpadas e de baixa acidez, servidas na temperatura ambiente.

Prato principal:
Carnes vermelhas, caças de pena, caças de pêlo, assados, caldeiradas, cozido e feijoada combinam com cachaças envelhecidas, aromáticas, tânicas e de corpo leve, servidas na temperatura ambiente.

Sobremesas:
Doces, bolos, tortas, sorvetes, salada de frutas, queijos e frutas harmonizam com cachaças envelhecidas, frutadas e de médio corpo, servidas na temperatura ambiente.

Digestivos:
Café, chás e charutos combinam com cachaças encorpadas, envelhecidas pelo menos três anos em madeira que lhes confere fortes notas de especiarias e riqueza de aromas. Licores de cachaça poderão ser servidos.

Assim, servir cachaças adequadas em um cardápio faz parte da arte da mesa, não sendo algo meramente intuitivo.

A técnica da harmonização consiste, portanto, no estabelecimento de uma sequência criteriosa, dentro de um processo dinâmico, em que cada dupla cachaça-comida é influenciada pela anterior e influencia a seguinte, de tal forma que estejam sempre em harmonia, para que, o ritual à mesa proporcione prazer infinito enquanto dure.


E depois de me embriagar com tanta informação vou dividir uma piadinha que achei na Net.

Jesus Cristo passava por uma estrada e, debaixo de sol forte, morria de fome e de sede.
De repente, avistou um canavial.Então, sentou-se numa sombra entre as folhas, refrescou-se do calor, descansou, chupou uns gomos e matou a fome.
Ao sair, abençoou as canas, prometendo que delas o homem havia de tirar um alimento bom e doce.

No outro dia, na mesma hora, o diabo saiu do fogo do inferno, com os chifres e o rabo queimados.Galopando pela estrada, foi dar no mesmo canavial.
Mas, desta vez, as canas soltaram pelos e o caldo estava azedo, e queimou-lhe a garganta.O diabo, furioso, prometeu que da cana o homem tiraria uma bebida tão ardente como as caldeiras do inferno.

É por isso que da cana se tira o açúcar, bênção de Nosso Senhor, e a cachaça, maldição do diabo.


Até a próxima entrevista

 
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