Faltando apenas dois dias para o meu pai completar 71 anos resolvi lembrar de uma comida da minha infância que ele sempre comia nas manhãs. O Chibé.
Meu pai é descendente de índios e nascido em Belém do Pará, mas deixou sua terra há muito tempo sem deixar suas raízes.
Às vezes me olho e fico pensando se sou filho do padeiro, será ??? minha mãe jura pela sogra dela mortinha que sou filho dele, na dúvida, fico com a máxima: Pai é aquele quem cria, por isso tenho uma grande admiração pelo meu pai.
Minha mãe é danada mesmo... o pernanbucana retada...
Hoje ele está mais light, se bobear só anda tomando mingauzinho que a minha mãe prepara para ele. Mas este homem já foi danado e adorava comer comida no lugar do café da manhã.
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O mais engraçado disto tudo era o meu pai pedir água gelada para misturar na farofa depois de comer toda a carne seca.
- como assim??? farinha e água gelada???
Pois bem, pasmem, este é um costume da região norte e é conhecido com o nome de CHIBÉ
- Esquisito né ??? Esquisito para nós aqui do sul, pois eu experimentei e digo que adogooo!!!
Para alguns lugares é conhecido como Jacuba, gonguinha, sebereba, tiquara, mas para mim é apenas Chibé.
Conta uma lenda - chamada da primeira água - que Jacy (Lua) e Iassytatassú (Estrela D'Alva), combinaram um dia visitar Ibiapité (Centro da Terra).
Numa madrugada deixaram Ibacapuranga (Céu Bonito) e desceram para a terra. Descansaram no enorme disco da Iupê-jaçanã (Vitória-Régia) e se puseram a caminho para o centro da terra. Quando as duas se preparavam para descer o Ibibira (abismo), Caninana Tyba mordeu a alva face de Jacy que, sentindo a dor, derramou copiosas lágrimas amargas sobre uma extensa plantação de mandioca.
Depois disso, a face de Jacy nunca mais foi a mesma pois as mordidas da caninana, marcaram-na para sempre. Das lágrimas de Jacy surgiu o tycupy (tucupi). O tucupi é ácido cianidrico.
Todavia, as nossas avoengas descobriram que poderiam vencer esse veneno deixando-o exposto ao sol por três ou quatro dias ou, então, depois de "descansado" (tempo em que a tapioca sedimenta-se no fundo do vasilhame) é fervido, restando o tucupi pronto para o consumo humano.
Dessa massa (a tapioca) e da pimenta murupi surgiu a primeira iguaria exótica, nascida da sapiência das nossas avós amerabas.Os autóctones desconheciam o sal. E o arubé, apesar de ardente, era o que dava um gosto às comidas ensossas, além do que a sua causticidade as tornava mais saborosas. De exotismo em exotismo, surgiu a Tiquara, que chegou até nós como o nome de Chibé.
A Tiquara, ou Chibé, nada mais é que a farinha de mandioca, com a água fresca dos igarapés, bebida em uma cuia pitinga. Houve na história do Pará um instante onde o humílimo chibé foi reconhecido como alimento.
Ia acesa a Revolução Paraense, infamantemente conhecida por Cabanagem. As tropas legais reclamavam por alimentos.
O marechal Manuel Jorge, irado com os protestos, perguntou aos reclamantes:
- E os sediciosos o que é que comem?
Os perguntados responderam:
- Chibé!...
- Então, comam-no também, respondeu o marechal mal humorado.
A grande Chefe Mara Salles proprietária do Restaurante Tordesilhas fez uma matéria super interessante a respeito do Chibé e fez uma degustação com o pessoal do ramo de gastronomia. O mais engraçado disto tudo é que ninguém em sã consciência pediria água e farinha, esta comida de subsistência indígena, num restaurante.
Mas Mara deu uma incrementada incrível, sem se perder nos sabores da terra. E prometeu colocar no menu do Tordesilhas sem demora. Com farinha ovinha* ácida e crocante mergulhada na água gelada, com temperos como pimenta-de-cheiro e coentro e servida como se vê, com uma mini cuia no lugar de colher.
*Ova e ovinha. Depende do tamanho das bolinhas. A mandioca amarela é deixada na água até amolecer, apodrecer, virar puba. É com esta mandioca espremida e passada em peneira que se faz a farinha d´água, que deve ser seca no tacho até os grãos ficarem bem secos. Em Manaus encontrei-as no Mercado assim, redondinhas, conhecidas como farinha de Uarini (o município onde são feitas – a maior parte delas, pelo que sei). Recebem apelido de ova ou ovinha pois depois de hidratadas se parecem mesmo com ovas de peixe.
Tradicionalmente o chibé vai passando na roda em recipiente grande com uma cuia coletiva boiando e cada um que está ao redor pega seu tanto, ou comido isoladamente, basta tirar com a cuia um pouco de água do rio e jogar aí um punhado de farinha.
A noite em que ela serviu o chibé estava quente e as pedrinhas de gelo no caldinho ácido e bem temperado transfornaram o simples chibé numa entrada refrescante e refinada, a cuia ainda veio apoiada numa cumbuquinha preta de cerâmica com mais gelo. Alguém resiste? Como disse Nina Horta, é o nosso gaspacho.
E a Mara deu a receita. Lá vai:
Chibé da Mara Salles
Ingredientes1 pimenta fidalga ou murupi fresca
1 litro de água muito gelada
Sal (pouco porque a acidez da farinha e do limão potencializam o sal)
1 dente de alho micropicado
1 cebola média micropicada
2 colheres (sopa) de coentro micropicado (sem os talos)
2 colheres (sopa) de salsinha micropicada (sem os talos)
4 folhas de chicória-do-pará micropicada
Suco de 1 limão-cravo ou siciliano
10 colheres (sobremesa) de farinha d’agua (a ovinha é a melhor que já usei)
Modo de Preparo
Judie a pimenta fresca no fundo do recipiente onde será feito o chibé, numa baciazinha ou tigela adicione água gelada e também, se quiser, pedrinhas de gelo, adicone sal e todos os demais ingredientes, menos a farinha. Misture bem. Distribua pelas cuias a farinha d’água, 1 colher de sobremesa em cada uma. Distribua também entre elas o caldo gelado temperado. Deixe descansar por 10 minutos - não mais, para a farinha inchar sem perder totalmente a textura. Sirva imediatamente.
Rendimento: 10 cuias médias
2 comentários:
Chef e o resultado do seu concurso????? Estou esperando o resultado de quem ganhou o jantar, rs. Um abraço
aqui no nordeste, se misturarmos a esses elementos, mais sal e agua fervendo , formara o nosso pirao e mais farinha, virara farofa d.agua. bom demais...
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